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Empresário questiona critérios usados em licitação de saneamento em Nanuque

A cidade tinha duas propostas da iniciativa privada na mesa, mas optou pela mais onerosa para a população.

Empresário questiona critérios usados em licitação de saneamento em Nanuque
Por: otempo.com
postado em 28 de fevereiro de 2023

A Prefeitura de Nanuque, no Vale do Mucuri, vai privatizar o saneamento básico da cidade com a proposta mais cara que se qualificou para a licitação. A concorrência, que aconteceu sem a participação da Copasa por opção da própria empresa pública, terminou com a vitória da Socienge Engenharia e Concessões, que superou a Sonel Ambiental e Engenharia (SAM). CEO da Aterpa, grupo a qual a SAM está vinculada, o empresário André Salazar contesta os critérios usados pelo Executivo municipal.

"A primeira coisa mal feita é que eles criaram um processo no qual o vencedor seria escolhido 70% por um critério técnico e 30% pelo preço. Só que esse critério técnico é bastante subjetivo. Você escreve um texto, e alguém avalia qual texto ficou melhor escrito, dando mais ou menos pontos. Não é um critério objetivo, demonstrando uma experiência técnica anterior, ou uma capacidade financeira de acessar os recursos que vão ser necessários para fazer os investimentos”, diz.

Conforme a ata da sessão da abertura das propostas comerciais, a qual O TEMPO teve acesso, a Socienge apresentou uma proposta mais cara para o consumidor final que a SAM. Na prática, as companhias cadastraram suas ofertas de acordo com o chamado "Fator K", um multiplicador das tarifas vigentes. Na prática, o índice da Socienge foi de 0,99, enquanto o da SAM foi de 0,87. 

A reportagem procurou a Prefeitura de Nanuque, mas não houve retorno. Nos documentos oficiais, pesou sobre a escolha do Executivo aspectos técnicos. O relatório que detalhou o julgamento das propostas técnicas das empresas concluiu que a SAM somou 55,58 pontos, enquanto a Socienge 71,03. 

A SAM chegou a apresentar recurso sobre as notas dadas pela prefeitura, mas não houve sucesso. Em nota, a Socienge, vencedora da licitação, informou que “repudia veementemente as alegações” feitas pelo CEO do grupo Aterpa, André Salazar.

Ausência da Copasa chama atenção

Responsável por gerir o saneamento de centenas de municípios mineiros, a Copasa atendeu Nanuque por anos. Ainda que tenha amplo conhecimento sobre o tratamento de água e esgoto da cidade, a empresa pública preferiu não participar da licitação aberta. A decisão motiva críticas de Eduardo Pereira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos do Estado de Minas Gerais (Sindágua/MG).

“Houve um prazo para que as empresas participassem, com uma longa discussão judicial de lá para cá. Quando chegou no fim do ano passado, o município reabriu (a concorrência) de novo. A Sociemge e a Sonel (SAM) apresentaram suas propostas, enquanto a Copasa pediu 45 dias para isso. O município, com razão, recusou essa extensão, porque o prazo tem que ser o mesmo para todos. A verdade é que a Copasa quis ficar de fora, pois 45 dias é muito tempo para (estudar) uma área que a Copasa já atua todos os dias”, diz Eduardo. 

De acordo com o sindicalista, a decisão da Copasa é ruim do ponto de vista técnico, pois a empresa tem experiência na gestão de água e esgoto de cidades muito maiores que Nanuque. Portanto, o serviço seria prestado com o know-how necessário. 

Além disso, Eduardo Pereira, do Sindágua/MG, cita os prejuízos para a economia local. Para ele, muito dificilmente a empresa privada terá preocupação social com a população do Vale do Mucuri. “Para BH, Nova Lima e outras cidades maiores, a Copasa é uma empresa qualquer. Mas, numa cidade pequena, igual a Nanuque, ela oferece um dos melhores empregos que têm. Então, a cidade também deixa de ter boas ofertas de emprego com a saída da Copasa”, afirma.

Em nota, a Copasa informou que recebeu a notificação da Prefeitura de Nanuque para se manifestar, em três dias úteis, sobre a manutenção ou não da proposta feita em 2020. Diante do prazo curto, a companhia confirma que pediu uma extensão do tempo para 45 dias, já que a primeira oferta foi "elaborada em outras condições, defasada técnica e economicamente, e que atualmente traria prejuízos à Companhia". 

A Copasa ainda esclareceu que aguarda a conclusão da licitação "para que possa discutir com o município e seu sucessor na prestação dos serviços a indenização dos ativos não amortizados (investimentos que ainda não foram pagos) na ordem de R$ 50 milhões".

Licitação parou na Justiça

Desde que a Prefeitura de Nanuque anunciou a licitação, a questão foi parar na Justiça. Uma ação movida pela Copasa impugnou a concorrência no Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG). À época, a companhia pública justificou que os critérios adotados pelo Executivo para definir a empresa vencedora não eram justos, pois considerava também aspectos técnicos, não somente o menor preço. 

“A prestação de serviços de saneamento básico, como é o caso presente, o tipo menor preço é o adequado, tanto que esse é o tipo adotado na ampla maioria das licitações realizadas no País", justificou a Copasa. A empresa pública ainda citou o texto "Licitações e Contratos", elaborado pelo TCE, para impugnar a licitação no modo defendido pela prefeitura. "O tipo 'técnica e preço' poderá ser utilizado para contratação de serviços de natureza predominantemente intelectual", o que seria o caso de intervenções da engenharia, por exemplo, não da gestão do saneamento.

No fim do ano passado, em novembro, o TCE comunicou à prefeitura que Nanuque poderia dar sequência ao projeto de privatização. 

Novo Marco Legal do Saneamento e o saneamento em Nanuque

Em 15 de julho de 2020, o governo federal, após aprovação do Congresso, promulgou a Lei 14.026, conhecida como Novo Marco Legal do Saneamento Básico, uma atualização da legislação em vigor desde 2020. Uma das mudanças trazidas pelo novo regramento atingiu em cheio cidades que tinham gestões parecidas com Nanuque. 

Na prática, o contrato direto entre a cidade do Vale do Mucuri e a Copasa, conforme informações do Sindágua/MG, venceu em 2004. Desde então, a empresa pública mantinha a gestão do saneamento da cidade a partir de uma modalidade de parceria conhecida como “contrato de programa”, hoje extinta pelo novo marco legal. 

O contrato de programa funciona como uma concessão: a prefeitura assina uma cooperação com a empresa pública, sem intermediação do governo de Minas. A diferença é que essa modalidade extinta só permitia a assinatura entre as cidades e a administração pública direta ou indireta (autarquias, empresas públicas etc.). Além disso, o contrato de programa não exige licitação, como as privatizações obrigam.

Com as mudanças na lei, Nanuque tinha dois caminhos: optar por um contrato direto com a Copasa, como acontece em BH, ou optar pela licitação, caminho escolhido no fim das contas.